No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quinta temporada, Sara conversa com os arquitetos Marta Brandão e Mário Sousa sobre o sistema Mima de habitações. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: Uma das coisas [que reparei é que] – agora que estava a caminho do vosso escritório –, nós estamos em Afife e não é muito vulgar os escritórios de arquitectura estarem nestas zonas. É normal estarem em zonas mais densas em termos urbanos. Pergunto-vos sobre o porquê desta escolha de Afife.
Mário Sousa: Eu nasci em Almada, mas os meus pais vieram muito cedo para Vila Praia de Âncora. Sempre surfei aqui em Afife. A minha vida sempre foi aqui em Afife. E depois se quiserem que vos explique de uma forma mais conceptual porque é que escolhemos vir para Afife, [posso dizer-vos que foi] porque não tínhamos necessidade nenhuma de estar numa grande metrópole. Para nós, a experiência de vir visitar uma casa não se coaduna com o facto de estar dentro do trânsito a viver intensamente o dia-a-dia e ir a uma cidade. E ao vir aqui a Afife pelo menos as pessoas entram... é toda uma experiência. Chegam aqui, depois entram na nossa casa e vêem o mar. Está tudo preparado e para as crianças é tudo muito mais relaxante do que se fosse numa cidade. E, por outro lado, também desde o início que nós pensávamos no teletrabalho e na possibilidade de as pessoas puderem trabalhar em qualquer sítio.
SN: Até porque vocês começaram este projecto na Suíça. Corrijam-me se estiver enganada.
Marta Brandão e Mário Sousa: Sim.
MS: Em 2007, começámos a desenvolver a ideia. Em 2010, criámos a empresa, mas sempre com esta ideia de poder fazer arquitectura em qualquer sítio, a qualquer pessoa e a dar o máximo de estabilidade aos nossos colaboradores e a nós próprios.
MB: Esta casa também representa um conceito que nós pensámos logo desde o início da criação da empresa, que é um conceito de test-living. Ou seja nós queríamos dar às pessoas a possibilidade de testarem a casa, da mesma forma que um comprador de um potencial automóvel testa o automóvel antes de decidir comprá-lo. E nós achámos que este cenário também era convidativo porque temos vista para o mar, temos um enquadramento interessante. Era convidativo a que as pessoas viessem, ficassem durante algum tempo a experimentar a casa e depois decidissem avançar com o projecto, que será desenvolvido no piso de baixo onde temos o escritório. Portanto, era uma ideia de termos um mecanismo vivo em que as pessoas testam, onde têm ideias e desenvolvem o projecto com a equipa.
SN: O que eu acho curioso deste espaço de test-living, é que não é apenas um teste de experienciar o espaço. Vocês permitem que quem esteja interessado em comprar ou encomendar uma das vossas casas fique aqui a dormir é assim, não é?
MB: Com algumas condições e para alguns clientes específicos, sim, quando se justifica.
SN: E qual tem sido esta experiência desses testes? Eu não conheço nenhum gabinete de arquitectura, por exemplo, que faça isso.
MB: Mas a nossa filosofia é um bocadinho diferente daquilo que é um gabinete de arquitectura tradicional. Nós sempre pensámos a casa como um produto, desde o início, e achámos que as especificidades dos nossos projectos têm de ir ao encontro desta ideia de arquitectura de produto. E foi por isso que também desde o início pensámos nesta ideia do experimentar.
SN: Se calhar então vamos começar por aí. Vamos começar pelo princípio e porque é que vocês pensaram e porque é que pensam na arquitectura como um produto e não como um serviço. Porque é que nasceu essa ideia do Mima Housing com este conceito?
MS: Porque as pessoas consomem produtos. Sobretudo aqui em Portugal, as pessoas utilizam os arquitectos como uma das etapas para ter a sua casa. Não há cultura de pagar por um projecto. É muito difícil para alguém – hoje em dia a mentalidade começa a mudar – e mesmo para um arquitecto vender papéis.
SN: Vender papéis?! Isso é muito bom. (risos)
MS: Ou “vender um boneco”, ou “vender um macaco”.
SN: São as expressões que as pessoas utilizam normalmente.
MB e MS: Normalmente [utilizam a expressão] “um risco”.
MS: E normalmente utilizam ou pensam que o arquitecto está ali para fazer a passagem ou a condução até ao licenciamento e depois acabou.
SN: Não como uma mais-valia.
MS: Não como uma mais-valia.
SN: Até se calhar apenas como um obstáculo muitas vezes.
MS: Sim. E até podemos falar disso que o obstáculo também é uma coisa que nós trabalhamos muito: a forma como interagimos com o cliente também é muito importante, mas para vos explicar o porquê do produto... é que as pessoas estão habituadíssimas a comprar produtos. E, aliás, a nossa economia, a forma como vivemos... o capitalismo, quer queiramos, quer não, existe. E é o estilo e a ideologia de vida que nós todos trabalhámos hoje em dia... [nesse estilo] estamos habituados a produtos e estamos habituados a comprar produtos. E se a arquitectura se vender como sendo um produto é muito mais fácil de a vender. Então, nós apresentámos valores que é o que os produtos têm, apresentámos nomes, por isso nós temos vários tipos de produtos. Tínhamos a Mima House, tínhamos a Mima Essential e a Mima...
SN: Porque é que dizem que tinham?
MS: Porque o que nós chegámos à conclusão é que os clientes começavam a confundir. Começavam a confundir os produtos. Então o que é que nós fizemos? Criámos a Mima System, que conflui todos os produtos num só.
MB: E muitas vezes vinham ter connosco com a ideia errada de que nós tínhamos um tipo de casa já pré-desenhada, que só poderia ser aquilo. Quando é exactamente o oposto. Nós fazemos sempre os projectos à medida para cada cliente e para cada terreno. Ou seja, o processo é, no fundo, um processo de desenho de arquitectura tradicional, mas é simplificado. É mais rápido, os clientes não sofrem tanto com a parte, por exemplo, do processo burocrático. Nas câmaras, nós tratamos disso tudo e tentamos que seja o mais rápido e o mais simples possível para não assustar. Muitas vezes, o que demove as pessoas de avançar com um projecto de arquitectura com um arquitecto é pensar: “Meu deus! Aquele processo todo. Vai demorar anos, vai ser uma coisa terrível. Vai-me deixar sem vontade de ter uma casa.” E nós queríamos acabar com isso. Essa ideia do produto, no fundo, também era oferecer uma coisa que fosse simples que, apesar de ser customizada, de ser feita para aquele cliente em particular, para aquele terreno em particular, com as especificidades que o cliente pedisse, que fosse rápido e simples. No fundo, era essa a ideia de produto.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quarta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Tomás Salgado do ateliê Risco
- Filipa Guerreiro e Tiago Correia
- Teresa Nunes da Ponte
- Pedro Campos Costa
- José Carlos Nunes de Oliveira
- Pedro Bandeira
- Correia/Ragazzi Arquitectos
- Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY
- Diogo Brito do OODA
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.